A morte de Aquiles

achilles3718A Guerra de Tróia estava no auge da sua fúria. Após nove anos de cerco à cidade de sólidas muralhas, Aquiles, o maior dos aqueus, já havia imortalizado o seu nome por meio de diversas façanhas.

Aquiles, após abater Mêmnon, sobrinho de Príamo, estava agora tomado por uma grande cólera, como até então jamais havia experimentado – nem mesmo quando da morte de seu amigo Pátroclo, que tanta dor e mágoa lhe causara.

Agamenon – disse Aquiles ao chefe dos aqueus.

Meu coração não pode mais suportar tanta arrogância por parte desses troianos, que já há quase dez anos nos mantêm humilhados do lado de fora destas malditas muralhas! Sim, meu coração anseia por derrubar de uma vez estas portas que nos impedem o acesso à cidadela! Ele anseia também pela volta à nossa casa, com os côncavos navios repletos das riquezas que Ílion inteira esconde em suas casas, templos e palácios!

Nesse instante, Tétis, deusa marinha e mãe de Aquiles, inspirou ao chefe grego estas palavras:

– Aquiles, audaz e implacável filho de Peleu, lembre-se do funesto presságio que paira sobre a sua cabeça: desde sempre foi predito que você jamais viria a transpor as portas Céias, que resguardam as mulheres e os tesouros da sagrada Tróia.

O que tiver de ser repousa sobre os joelhos dos deuses – disse Aquiles, cuja impaciência chegara ao limite.

– Jamais um guerreiro deixou de cumprir os mandamentos de seu peito por receio de meros presságios ou vaticínios. Aos adivinhos, os presságios; aos guerreiros, a espada. Além do mais, uma nova morte pesa sobre meu coração, a de Antíloco, filho de Nestor e leal companheiro que a crueldade troiana fez baixar recentemente à morada das sombras.

E tomando de sua lança, Aquiles ordenou aos seus mirmidões – guerreiros da Tessália, seus comandados – que o seguissem de lanças em riste.

Uma nova carnificina começou, então. Os cadáveres dos troianos juncavam o chão em frente às muralhas de Tróia, fazendo transbordar as águas do rio Escamandro, que corre perto com suas águas revoltas.

Adiante mirmidões de sólidos escudos! – bradava o filho de Tétis.

– Grandes recompensas os aguardam atrás destas paredes erguidas por duas divindades!

Helena e Páris

Helena e Páris

No alto das muralhas, Príamo, rei da Tróada, acompanhava apavorado o massacre dos seus homens. Ao seu lado estava seu filho Páris, raptor da bela Helena, que abandonara seu esposo Menelau, em Esparta, para ir viver com o belo irmão de Heitor.

Páris, meu filho, parece que desta vez aquele terrível homem transporá as sólidas portas de nossa sagrada Tróia! – disse Príamo, aterrado com a aproximição de Aquiles e de seus furiosos mirmidões.

Páris, sem responder, cogitava sobre as terríveis consequências que estavam prestes a se abater sobre si e toda a cidade fundada por Ilos, de nobre memória. As recriminações de seus irmãos e os olhares de ódio de seus compatriotas ainda estavam bem presentes em sua mente. Agora que tudo parecia perdido, podia perceber, mais do que nunca, aqueles mesmos olhares acusativos caírem sobre si como pequenos dardos envennados.

Na verdade, Páris já tentara, de algum modo, chamar a si a responsabilidade para a solução daquele conflito, quando propôs a Menelau, o marido ultrajado, um combate singular entre ambos, como forma de resolver a disputa.

Entretanto, levara a pior, e se a própria Afrodite não o tivesse ocultado em uma nuvem e levado para seus aposentos, dentro das muralhas protetoras, estaria agora morto – tão morto quanto a maioria de seus muitos irmãos, entre os quais Heitor, que tanto o censurara por suas atitudes levianas.

Enquanto Páris refletia sobre tudo isso, o bravo Aquiles, surdo a tudo, continuava a investir com fúria nunca vista, cortando braços, arrancando cabeças e pisoteando os corpos abatidos, como um leão que quando avança sobre um redil de ovelhas se atraca em todas, indiscriminadamente, movido apenas pela gana de enterrar as compridas unhas no pêlo fofo de suas vítimas, até torná-lo tinto do sangue negro e inebriante.

Aquiles estava agora diante das portas Ceias.

Apenas alguns bravos combatentes troianos ainda restavam diante da sua fúria incontrolável. Então uma voz, que não era humana, partiu do alto das muralhas:

Aquiles, temerário! Volta os passos para trás, eis que já foi determinado pelos deuses que jamais vai colocar os pés dentro destas muralhas!.  Era Apolo, filho de Zeus e Leto, quem lhe dirigia essas acerbas palavras.

Tétis, mãe de Aquiles, oculta sob a forma de um de seus soldados, tentava fazê-lo retroceder:

– Eia, Aquiles valoroso, voltemos ao nosso acampamento, pois é voz mortal quem lhe adverte de grave dano à sua pessoa!

Cale-se, covarde, e retroceda sozinho, se assim lhe apraz!

Disse o filho de Tétis, empurrando rudemente o soldado, sem saber que afastava a própria mãe de chorosos olhos.

– Hei de arrancar estas portas com meus próprios braços, e não serão vãs ameaças, ditadas por lábios mortais ou imortais, que me impedirão de laver adiante um ato de justa vingança que clama aos céus!

– Aquiles, a ira faz você blasfemar e invocar os deuses ao mesmo tempo! – Disse Apolo, enfurecido pela audácia daquele homem.

– Lembre que, ao fim e ao cabo, é mortal como todos os outros que vibram as lanças e os escudos junto de você. Até Sarpedon, filho do deus supremo, também baixou, de há muito, às sombrias moradas. Se você teimar na impiedade, terá, ainda com mais razão, o mesmo destino.

Aquiles, contudo, permaneceu surdo às funestas advertências: de espada em punho avançava resolutamente para as imensas portas, enquanto sua mãe, Tétis, de pés prateados, afastava-se, vencida pelos fados inexoráveis.

– Eia, mirmidões, arremetam às portas com este aríete feito de sólido carvalho e afiadíssima ponta! – disse o herói, pondo todo o empenho em sua voz.

Páris, ao alto, penava em seu desespero, pensando no que poderia fazer para deter aquele terribilíssimo homem, quando escutou a voz de Apolo soar a seu lado:

– Páris, nutrido pelos deuses, apreste ligeiro o seu arco e escolha a melhor das flechas!

Aquiles é invencível!… – bradou Páris ao filho de Leto.

– Seu corpo, banhando nas águas do Estige, é invulnerável, e seta alguma poderá feri-lo.

Tétis, num último gesto de amor materno, aproximou-se, então de Apolo, e lhe disse estas palavras:

– Apolo, filho de Zeus soberano! Toma antes uma de suas próprias flechas, se queres, para alvejar meu filho, eis que suas flechas tiram a vida em causar dor.

Apolo aconselha

Apolo aconselha

O filho de Zeus acedeu e, estendendo a Páris uma de suas próprias flachas, lhe disse em seguida:

– Toma e faz o que digo. Quanto ao rumo que a seta seguirá, não se preocupe, pois cabe a mim dar-lhe o rumo correto.

– Páris ajustou a seta fatal ao seu arco e espichou a sólida corda até que as duas extremidades do arco, feito de fina e maleável madeira, se unissem.

Dispara agora, filho de Príamo!. Ordenou Apolo, que arremessando-se junto com o dardo, foi conduzindo-o até o seu alvo, que era o calcanhar direito de Aquiles.

O guerreiro, alvejado pela seta mortal, sentiu o pé fraquejar, embora dor alguma lhe lancinasse as carnes.

– Fui alvejado… Gritou Aquiles, compreendendo, num instante, que seu fim se aproximava.

Aquiles alvejado no calcanhar

Aquiles alvejado no calcanhar

Arrancando o dardo do calcanhar, que sangrava copiosamente, mesmo assim o filho de Peleu ainda encontrou forças para continuar batalhando.

– Hei de cair somente depois que meus mirmidões tiverem rompido as portas que dão acesso à cidadela!, pensava ele, brandindo com fúria redobrada a sua espada encharcada de sangue inimigo.

Aquiles avançou, cada vez com maior dificuldade, pois a sombra da morte começava a descer sobre seus ohos e, após haver semeado o pânico entre os troianos, apoiou-se sobre o madeiro sólido e intransponível de um das gigantescas portas Céias.

Seus joelhos fraquejaram pela última vez, e sentiu que sua alma começava a descer ao Hades sombrio para ir fazer companhia aos companheiros mortos.

– O destino de Tróia está, desde sempre, também decretado! bradou Aquiles, nos últimos arrancos de sua vida quase extinta.

– E tão certo quanto agora cumpro meu negro fado, chegará muito em breve a vez de vocês também cumprirem o seu! Não terão como escapar, e então sentirei espumar em minha boca, mesmo nas moradas sombrias, o sumo feliz da vingança!

Aquiles cerrou seus lábios e sua armadura finalmente retiniu sobre o chão, com imenso estrondo, cobrindo-se de seu próprio sangue ajuntado ao pó.

Grande júbilo ergueu-se do alto das muralhas: Príamo, aliviado, via exterminado, de uma vez por todas, o flagelo grego, matador de troianos e de seu querido filho Heitor.

Começava nesse instante, porém, uma outra batalha, agora pelos despojos do maior dos aqueus.

Ájax e Ulisses, companheiros fiéis, arremessaram-se ao corpo para impedir que mãos inimigas o raptassem, apossando-se de sua armadura gloriosa, fabricada pelas próprias mãos de Hefesto, inexcedível artífice, e levassem seu corpo para dentro das muralhas, para ser esquartejado e lançado aos dentes corruptos dos cães de Tróia. Era a vez, agora, de Aquiles ter seu corpo arrastado de um a outro lado e coberto de sangue e de pó, como acontecera a tantos outros desde o começo daquela terrível e cruenta guerra.

Enéias, pelos troianos, forcejava junto com os seus para apoderar-se do corpo, enquanto que Ájax e Ulisses os repeliam com toda a fúria.

Glauco, primo de Sarpedon morto, conseguira laçar os pés esfolados de Aquiles e já ia arrastando o corpo até as hostas troianas, quando Ájax, arremessando um dardo certeiro, prostrou-o sem vida no chão. E assim, ao redor do corpo ensanguentado do filho de Tétis, foram caindo, às dezenas, os guerreiros que lutavam em busca do prêmio mais ambicionado: o corpo e as armas de Aquiles.

Finalmente, os gregos levaram a melhor e conduziram o corpo de Aquiles para as suas tendas. Lá o herói recebeu os rituais fúnebres devidos, sendo quimados seus despojos numa imensa pira, sob o choro de todos os companheiros, e até dos deuses, que do alto lamentavam a morte do maior guerreiro que o mundo já vira.

Tétis, sua mãe, veio das profundezas do mar, junto com suas nereidas, coberta de luto, e durante toda a cerimônia não cessou de lamentar a morte de seu querido filho.

Depois, as cinzas de Aquiles foram depositadas junto às de Pátroclo, amigo e fiel companheiro de armas, conforme o seu desejo.

Depois da morte de Aquiles, Ulisses e Ajax disputaram sobre a divina armadura do herói morto.

Quando Ajax perdeu a luta, ficou louco e se suicidou.

Numa batalha de intensa bravura, Páris foi ferido no braço.  A ferida infeccionou muito, trouxe febre e convulsões, até que ele morreu.

Páris morto, Príamo deu a mão de Helena, a Deífobo, o irmão de Páris, que a reivindicara e ao comando dos exércitos de Tróia.

Uma noite, Odisseu (Ulisses) entrou em Tróia, disfarçado, e roubou o Palladium, a sagrada estátua de Atena, que dava aos troianos a força para continuar com a guerra.  A cidade, entretanto, não pereceu.

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